MP denuncia gerente da Caixa por racismo contra cliente em agência

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) denunciou o gerente da Caixa Econômica Federal João Paulo Vieira Barreto por crime de discriminação racial contra o empresário Crispim Terral. “É uma imensa satisfação, não só para mim, mas para cada cidadão negro dessa cidade. É mais um passo na luta contra o racismo”, comentou o empresário.

O caso aconteceu no dia 19 de fevereiro deste ano na agência da Caixa Econômica Federal do Relógio de São Pedro, localizada na Avenida Sete de Setembro, no bairro Dois de Julho. A denúncia foi oferecida pela promotora de Justiça Lívia Vaz.

“As investigações policiais apontam que a vítima, depois de esperar atendimento desde às 10h da manhã, dirigiu-se por volta das 16h à mesa do gerente geral da agência, João Paulo Barreto, para cobrar atendimento que resol-vesse sua demanda. Na ocasião, o gerente geral acionou o setor de segurança privada para retirar o cliente do estabelecimento. Depois, a Polícia Militar também compareceu à agência e propôs ao gerente que ele e o cliente se dirigissem até à delegacia. Neste momento João Paulo teria afirmado que não fazia acordo com “esse tipo de gente”, “supostamente se referindo à raça/cor da vítima”, e logo após teria afirmado que somente iria à delegacia se Crispim Terral saísse algemado da agência”, narra o MP.

A vítima disse ao CORREIO que foi informado da decisão do MP através dos advogados. “Espero agora que a justiça seja feita”, diz o empresário.

A denúncia foi formalizada no último dia 11. A denúncia do MP ainda destaca que a vítima foi imobilizada por “mata leão” pelos policiais que a retiraram da agência e o denunciado foi embora sem se dirigir à delegacia. “O acusado praticou discriminação racial, ao conferir tratamento discriminatório à vítima, que, além de ter sido tratada de forma diferenciada em relação aos demais clientes da agência”, destacou a promotora Lívia Vaz, responsável pela denúncia que destacou, ainda, que toda situação foi registrada em vídeo.

Procurada, a Caixa Econômica Federal não respondeu aos questionamentos do CORREIO até o fechamento deste texto.

Relembre
O corpo de 1,70 m de altura e 74 kg sustenta uma coragem imensurável. O empresário Crispim Terral, 34 anos, poderia ter reagido ao “mata-leão” aplicado por um policial militar dentro de agência da Caixa Econômica Federal (CEF), no Centro de Salvador. No entanto, preferiu usar a força para iniciar, talvez até o momento, a luta mais importante de sua vida: a batalha contra o racismo.

“Toda vez que vejo o vídeo, sinto revolta, uma vontade de chorar. Por isso, não vou me calar. Vou até o fim”, declarou Crispim ao CORREIO, quando deixava o hotel na Avenida Sete de Setembro, onde está hospedado. Ele mora em Salinas da Margarida, no Recôncavo baiano, e foi oito vezes na agência do Relógio de São Pedro para tentar um extrato de quitação de dois cheques debitados indevidamente em sua conta.

Crispim acusa a Caixa de racismo, após ter sido expulso da agência e retirado à força pela Polícia Militar, que atendeu ao chamado da gerência da unidade. A ação, que ocorreu na tarde do último dia 19, foi gravada pela filha adolescente do empresário, e as imagens, divulgadas em uma rede social. Crispim é proprietário da Farmácia Terral, na cidade onde vive, além de proprietário de duas lojas de assistência técnica de eletroeletrônicos na região.

Após a entrevista ao CORREIO, Crispim foi à 1ª Delegacia (Barris) para formalizar a denúncia. Ele recebeu uma ligação da Caixa no mesmo dia. “Quem me ligou disse que era superintendente da Caixa. Pediu desculpa pelo ocorrido, perguntou se era possível manter um diálogo. Ele deu a entender que queria que eu desistisse, mas eu vou mover uma ação contra a Caixa e o gerente”, declarou Crispim. Depois da repercussão, a Caixa divulgou que afastou o funcionário envolvido no episódio.

Gêmeo
Crispim nasceu na cidade de Ituberá, Sul baiano. Ele era gêmeo univitelino de Crispiniano, falecido há cinco anos, vítima de meningite. “Como por dois, trabalho por dois, luto por dois, acho que foi por isso que o policial me deu um mata-leão”, disse num momento de descontração.

O empresário mora em Encarnação, distrito de Salinas da Margarida. É lá que ele, junto com a mulher, cria os cinco filhos. Aos 34 anos, nunca tinha sido alvo de racismo.

“Até então, ao dia 19 deste mês, ninguém nunca me tratou diferente por causa de minha cor. Nem a mim nem aos meus filhos. Hoje minha filha está traumatizada. Ela assistiu a tudo o que fizeram comigo”, relatou Crispim.

Apoio
O fato aconteceu no dia 19 deste mês, mas somente agora o caso foi divulgado. Desde então, o empresário estava hospedado num hotel no Centro de Salvador junto com a mulher.

“Meu senso de justiça vinha falando mais alto. O estopim foi quando via nas redes sociais outros casos de racismo. Aí teve o momento que a dor de ser diferenciado pela cor da pele falou mais alto e resolvi expor toda a situação”, contou Crispim.

Ele tem recebido apoio nas redes sociais e também nas ruas. “Recebi ligações de São Paulo, de Minas Gerais, do Rio de Janeiro, de Pernambuco, 3h, 4h, 5h da manhã, de pessoas que me conhecem e também de desconhecidos que pediram para não desistir e que estarão comigo nessa luta. Nas ruas, as pessoas dizem: ‘É isso aí. Não pare’. Outros falam: ‘Estamos com você’”, relatou o empresário.

Durante conversa com o CORREIO, a entrevista foi interrompida por mais de uma vez por pessoas que o cumprimentavam na porta do hotel.

“É isso aí. Tem que seguir em frente. Você é um homem de bem. Quantos estelionatários entram naquela agência de paletó e gravata e eles tratam bem? Só porque são brancos. O que o gerente fez foi racismo”, disse o auxiliar administrativo Ivolino D’Hora, 34, após dar um abraço em Crispim.

“Você está completamente cheio de razão. Quanto existem fatos, não há argumentos. O vídeo diz tudo. Se eu estivesse no lugar dele, já teria feito pior. Já dei um tapa num policial porque bateu no meu filho pequeno no Carnaval”, contou a técnica de enfermagem Mari Souza, 44.

Medo
Diante de tanta exposição, Crispim disse que temeu represália do policial que o agrediu com um mata-leão. “A gente não deixa de pensar nisso, nas consequências. Mas não posso calar. Estou tomando minhas providências”, disse.

Apesar do medo, o empresário disse que a família manteve a rotina. “Todos continuam levando suas vidas normais. Não pretendo e não vou deixar minha cidade. Ligo para os meus filhos todos os dias para tranquilizá-los. Eles lá têm o apoio dos amigos. As pessoas da minha cidade também me apoiam”, disse.

Crispim se recusou a ser algemado e, por isso, acabou recebendo um “mata-leão” – golpe de estrangulamento – de um dos PMs. O vídeo do momento em que Crispim é imobilizado foi gravado pela filha de 15 anos.

“Também acredito que sofri racismo por parte do policial, porque sequer esbocei uma reação, estava tranquilo. Podem até pedir as imagens das câmeras de segurança do banco. Minha filha ficou em pânico”, disse.

Crispim afirma que foi conduzido pelos policiais em uma viatura à Central de Flagrantes, onde foi autuado por desobediência e resistência. Em seguida, ele procurou uma unidade de saúde – a UPA dos Barris – onde recebeu atendimento por sentir fortes dores no maxilar, cabeça, pescoço e ombro esquerdo.

Ele prestou uma queixa contra os PMs na Corregedoria da Polícia Militar na quarta-feira passada (20). Segundo o relato do empresário, registrado na Corregedoria e disponibilizado por ele em uma rede social, os soldados Roque da Silva e Rafaeal Valverde Nolesco iniciaram as agressões físicas contra ele.

Crispim registrou caso na Corregedoria da Polícia Militar (Foto: Reprodução)
Em nota, a PM informou que o 18º Batalhão da Polícia Militar (BPM/Centro Histórico) foi acionado por prepostos da agência porque um dos clientes se recusava a deixar o local, mesmo após o término do expediente.

A nota diz ainda que os policiais militares conversaram com o gerente da agência e ele relatou que o homem estava solicitando um comprovante de transação, que não poderia ser fornecido naquele momento, e pediu a remoção do cidadão do interior do estabelecimento em razão do encerramento do expediente bancário.

“Os policiais, então, dirigiram-se ao homem e solicitaram que ele acompanhasse a equipe junto com o representante da agência bancária à delegacia, para formalização da ocorrência em razão do impasse gerado pelo conflito de interesses. Os policiais relataram que o cidadão começou a se exaltar e dizer que não sairia da agência sem ter a sua demanda atendida, contrariando a recomendação das autoridades que intervieram no conflito”, diz a nota.

A PM alega ainda que “houve a necessidade de empregar a força proporcional para fazer cumprir a ordem legal exarada, mesmo após diversas tentativas de conduzi-lo sem o emprego da força. Ele não foi algemado. O vídeo divulgado mostra uma condução técnica dos policiais militares na ação e também observa-se uma edição suprimindo parte do ocorrido”.

Ainda segundo a polícia, uma sindicância será instaurada pelo 18º BPM para apurar todas as circunstâncias da intervenção policial. A polícia informa também que, apesar de ser um estabelecimento federal, quando a PM é acionada tem o dever de atender a ocorrência.

(Fonte: Correio)