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Enfermeira adota garoto com paralisia cerebral que foi abandonado pelos pais

Foto: EMANOELE DAIANE|Reprodução BBC

Uma bela notícia tem sido manchete nos principais meios de comunicação nesta quinta-feira (7). A enfermeira Solange Maria Pires, de 56 anos, tomou uma decisão importante e mudou completamente a sua vida e a do garoto Ronei Gustavo Pires, de 12 anos.  As informações são do portal BBC. Solange mora em Várzea Grande, MT, e adotou Ronei, que tem paralisia cerebral e precisa ser acompanhado todo o tempo pela mãe.

O encontro entre Solange e Ronei aconteceu há dez anos e o sentimento entre eles foi decisivo para a adoção. Ronei nasceu com agenesia do corpo caloso e possui neuropatia crônica, que atinge o sistema nervoso e afeta a postura e movimentos. Quando tinha 8 meses Ronei teve broncoaspiração, que é quando alimentos ou líquidos são aspirados pelas vias aéreas, além da família ter demorado em buscar atendimento médico para o garoto. Este episódio afetou ainda mais a saúde de Ronei. Após ter completado um ano, Ronei foi diagnosticado com paralisia cerebral e passou a viver em estado vegetativo.

Os problemas graves que Ronei tinha fizeram com que a família o abandonasse antes de completar um ano. Solange conheceu Ronei quando ele vivia em um lar para crianças aptas para adoção na capital mato-grossense. A enfermeira é divorciada e morava sozinha quando decidiu adotar Ronei. Mãe de 2 filhos de 33 e 37 anos, Solange passou a se dedicar aos cuidados de Ronei já que seus filhos não moravam mais com ela.

“Eu sinto o mesmo amor pelos meus três filhos. Mas sei que me dedico mais ao Ronei do que me dediquei aos outros dois, porque eles sempre foram saudáveis, se desenvolveram normalmente e foram saindo das minhas asas. Já o Ronei, sei que vai estar sempre aqui e sempre vai precisar dos meus cuidados”, contou Solange à BBC News Brasil.

A importante decisão que Solange tomou causou espanto em alguns conhecidos dela.”Algumas pessoas me desaconselharam, me disseram para viver uma fase mais tranquila, pois meus filhos já estavam criados. Mas eu não tive dúvidas de que deveria cuidar do Ronei. Ele é meu filho, assim como os outros dois que eu pari”, disse.

Encontrar pais para crianças com alguma doença ou deficiência no Brasil é uma tarefa difícil. O Cadastro Nacional de Adoção mostra que há 46,1 mil pretendentes à adoção. Destes pretendentes, apenas 4.623, um pouco mais de 10% do total, aceitam adotar crianças com alguma deficiência física ou mental. Dados do CNA, segundo levantamento acessado recentemente, apontam que há 9.550 crianças e adolescentes aptos para adoção. Deste montante, 2.452 possuem problemas de saúde.

Internações frequentes e piora no estado de saúde, fizeram com que Ronei fosse levado a um lar para crianças, pois os médicos julgaram que o garoto não era bem atendido pela família biológica. Ronei ficou algumas semanas no lar mas precisou retornar ao hospital em razão de piora no estado de saúde, vindo a ficar meses internado. A Justiça de Mato Grosso aceitou pedido do Ministério Público e determinou que o Estado custeasse serviços de home care – internação domiciliar – para Ronei.

Solange trabalhava como enfermeira em uma empresa que prestava serviços de home care. Ela e uma equipe, foram em busca de Ronei, após a justiça determinar que o garoto tinha direito à internação domiciliar..”Fui atrás dele na casa dos pais biológicos e da avó, mas ele não estava. Me disseram que ele estava no Lar da Criança. Depois, descobri que ele estava internado no Pronto-Socorro de Cuiabá”, contou. Segundo Solange, os pais biológicos haviam visitado Ronei poucas vezes no hospital.

Ronei teve alta médica e a justiça determinou que o estado pagasse uma casa para a família biológica morar com Ronei, em razão da casa dos pais do garoto não ter condições de receber a home care.”A expectativa era de que os familiares se reaproximassem do Ronei e ajudassem o tratamento dele, caso fossem para um novo lar”, disse a enfermeira.

Semanas depois de receber alta, Ronei passou mal novamente e precisou de atendimento médico, após diversas convulsões. Foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) em estado grave e passou a necessitar do aparelho de ventilação mecânica. A Justiça então determinou, alguns dias após a internação, que ele saísse do hospital em 24 horas e fosse colocado em uma home care..

Com uma indefinição com relação a casa que poderia ser concedida para a família de Ronei, o garoto foi levado para um quarto vazio na sede da empresa de home care, que foi adaptado para que os equipamentos fossem instalados.”A gente acreditava que ele passaria semanas no quarto da empresa, a família se reestruturaria, conseguiria a casa e tudo daria certo”, disse Solange.

Solange contou que a família biológica foi informada sobe a situação de Ronei e o visitou apenas duas vezes na empresa.”Foram visitas rápidas, que não duraram 15 minutos”, contou Solange. A dona da empresa informou que Ronei não poderia ficar naquele local por mais tempo. “Eles não poderiam ficar tantos meses assim com uma criança, porque ali era uma empresa”, contou Solange.

Solange então decidiu levar Ronei, que na época estava com quase dois anos, para casa. “Falei que pediria a guarda dele na Justiça e que cuidaria dele, até resolver a questão com a família.” A Justiça concedeu a guarda provisória de Ronei para Solange. Ela fez adaptações em um quarto para receber Ronei e os equipamentos da internação domiciliar, como um tubo de oxigênio e um aparelho de ventilação mecânica.

Solange, teve de deixar a função na empresa de home care, para se dedicar aos cuidados com Ronei. Ela continua trabalhando em um hospital de Cuiabá. Ronei viveu por um ano na casa de Solange e os pais do garoto o procuraram somente uma vez. A enfermeira conta que a última vez que viu os pais de Ronei foi em um Fórum de Cuiabá, no início de 2010.

“A juíza me convocou e pensei que os pais queriam a guarda dele. Eu disse a ela que, caso eles quisessem de volta, seria um direito deles. Mesmo que isso me entristecesse, não poderia fazer nada.”

“Mas a juíza me disse que os pais falaram que não tinham condições psicológicas, nem financeiras, para ficar com o Ronei. Eles abriram mão do filho, disseram que eu poderia criá-lo”, disse.

A juíza explicou que Solange não era obrigada a ficar com Ronei, caso não quisesse. Disse ainda que o garoto seria levado a um lar para crianças aptas à adoção, caso a enfermeira não quisesse ficar com Ronei.”Não tive dúvidas, disse que o Ronei era meu filho e que ficaria com ele”, contou Solange.”A juíza me perguntou duas vezes, porque queria que eu tivesse certeza da responsabilidade que teria pela frente. Novamente, disse que era aquilo que eu queria. Não iria abrir mão do meu filho”, disse a enfermeira, que recebeu apoio dos dois filhos.

Solange disse que a sua decisão comoveu a juíza que chorou.”A juíza me disse que nunca tinha chorado, mas chorou naquele momento, porque ficou comovida com o meu caso.” Todos os procedimentos necessários  para conseguir a guarda definitiva de Ronei – como análise da residência por assistentes sociais e uma entrevista na qual detalhou sobre a sua rotina, Solange se submeteu. Menos de um mês depois, Solange obteve a guarda definitiva de Ronei.

Da redação do Acontece na Bahia