Faleceu aos 104 anos na madrugada desta terça-feira (21) Ricardina Pereira da Silva, mais conhecida como Dona Cadu. Ela era a mestra ceramista mais antiga do distrito de Coqueiros, em Maragogipe, Bahia, dedicando mais de 90 anos ao seu ofício.
A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) decretou luto oficial de três dias em sua homenagem. Em 2020, Dona Cadu foi agraciada com o título de Doutora Honoris Causa pela UFRB, e em 2021, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Reconhecida como “Tesouro Humano Vivo” pela UNESCO, Dona Cadu foi uma das personalidades mais influentes na preservação das tradições orais, poéticas e performáticas do Recôncavo. Sua trajetória inclui notáveis contribuições como ceramista, sambadeira e rezadeira, destacando-se como uma referência da cultura de ancestralidade africana e indígena.
Além dos títulos acadêmicos, Dona Cadu foi homenageada com um selo em seu nome pelo Centro de Culturas Populares e Identitárias (CCPI/Secult/Bahia) e pelo Memorial Dona Cadu, localizado em Coqueiros. Ela participou de vários filmes e documentários e recebeu inúmeras homenagens de escolas, eventos e grupos culturais. “A reitora Georgina Gonçalves declara luto oficial de três dias na UFRB. Ao expressarmos nossas condolências, manifestamos nosso apoio e solidariedade aos amigos, familiares e a toda comunidade acadêmica”, dizia a nota divulgada pela UFRB.
Dona Cadu também era uma talentosa cozinheira, famosa por suas moquecas de peixe, camarão ou marisco, sempre com muita pimenta. Sua habilidade culinária combinada com a produção de panelas de barro era uma combinação irresistível.
Nascida em São Félix, Dona Cadu mudou-se jovem para Coqueiros e conquistou o Brasil com sua arte. Aos 10 anos, observando uma vizinha esculpir, ela descobriu a cerâmica. Em pouco tempo, já superava sua mentora, produzindo peças de alta qualidade. Com o trabalho em cerâmica, ajudou a sustentar sua família e criou 10 filhos, dois biológicos e oito adotados. Seu marido, pescador, já faleceu. Ela deixa três netas e dois bisnetos.
A humilde oficina de cerâmica de Dona Cadu, em frente à sua casa nas margens do Rio Paraguaçu, tornou-se um ponto de encontro para professores, alunos e jornalistas. Ela adorava dar entrevistas e compartilhar suas técnicas. Suas artes eram vendidas em feiras, para as quais transportava as panelas na cabeça. “Eu chegava assim: ‘Freguesa, não quer comprar essa panela para fazer uma moqueca ou um feijão delicioso, não?’”, conta ela, rindo. Atualmente, trabalha por encomenda, vendendo para restaurantes de comidas típicas de Salvador e outras localidades.
Com a fama, Dona Cadu atraiu turistas de todo o Brasil, especialmente do Sul e Sudeste, que faziam questão de levar uma de suas peças. Sua casa e oficina se tornaram pontos turísticos de Coqueiros. Ela recebia a todos com simpatia e generosidade, oferecendo sua risada cativante como presente.
O samba também fazia parte da vida de Dona Cadu. Herdeira de uma tradição familiar, ela liderava o grupo Filhos de Dona Cadu, com seu filho como vocalista e sua filha como sambadeira. “Samba é cultura, alegria e fonte de renda para o nosso povo”, dizia Dona Cadu. Ela criou seu próprio estilo de samba, o “samba de pulinhos”, inspirado nas cerimônias do candomblé.
A pandemia afetou a rotina de Dona Cadu, reduzindo as visitas e limitando suas idas à oficina após uma queda que resultou em uma fratura no fêmur. Mesmo assim, ela continuou ensinando suas técnicas de cerâmica e mantendo seu espírito alegre. “Eu rezo todos os dias para isso tudo acabar e eu voltar para a minha rotina. Eu faço por amor, não é só por dinheiro. Meu trabalho é a minha vida”, dizia ela.
Dona Cadu viveu com alegria e nunca deixou a tristeza tomar conta. “Eu nunca deixei a tristeza fazer morada em mim”, afirmava ela, sempre com um sorriso no rosto.
Da redação do Acontece na Bahia
Foto: Reprodução