Prefeitos de todo o país precisam redobrar a atenção com a forma como divulgam ações de suas administrações. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que gestores municipais que utilizarem perfis pessoais em redes sociais para promover obras, programas e serviços públicos podem responder por improbidade administrativa. A medida, que ganhou repercussão nacional, reforça a proibição do uso de recursos públicos para autopromoção.
O caso que motivou a decisão
O entendimento foi reafirmado durante o julgamento de um recurso que envolve o ex-prefeito de São Paulo, João Doria. Ele foi acusado de utilizar verba pública para divulgar o programa “Asfalto Novo” em seus perfis pessoais, levantando suspeitas de promoção individual.
Para o STJ, a publicidade oficial deve cumprir estritamente os princípios estabelecidos no artigo 37 da Constituição Federal, que define caráter educativo, informativo ou de orientação social como requisitos básicos. Além disso, é vedada qualquer forma de publicidade que contenha nomes, imagens ou símbolos que remetam a gestores em exercício.
Casos semelhantes em outros municípios
A decisão também se estende a outros episódios semelhantes. A prefeita Flávia Moretti, de Várzea Grande (MT), e a ex-prefeita de Fundão (ES), Maria Dulce Rudio Soares, foram denunciadas por utilizar perfis pessoais para divulgar ações de governo.
O Tribunal reforça que a comunicação institucional deve ocorrer exclusivamente por canais oficiais das prefeituras, como sites e perfis institucionais nas redes sociais.
Uso político e sanções
Segundo o entendimento dos ministros, quando há uso de redes pessoais para divulgar políticas públicas, cria-se uma associação direta entre a imagem do prefeito e os programas financiados com recursos do município, caracterizando autopromoção.
Esse tipo de conduta pode acarretar sanções severas, como perda do mandato, inelegibilidade e multa, além da obrigação de ressarcir valores aplicados de forma irregular.
Outro ponto levantado pela Corte foi o risco de gastos desproporcionais com publicidade, especialmente quando superam investimentos diretos em áreas essenciais como saúde e educação. Para o STJ — em alinhamento com entendimentos já pacificados no STF—, esse desvio de finalidade pode configurar abuso político.
Regras claras para prefeitos
A orientação agora é inequívoca: prefeitos devem manter separação entre perfis pessoais e canais institucionais. Qualquer tentativa de usar obras e programas municipais como forma de impulsionar a imagem política ou eleitoral pode gerar processos judiciais.
Com o reforço desse entendimento, especialistas acreditam que haverá maior fiscalização sobre como gestores utilizam a internet para se comunicar com a população, evitando que recursos públicos sejam desviados para fins particulares.
Veja o que diz a nova Lei na íntegra:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 14.230/2021. APLICAÇÃO RETROATIVA. PROCESSO EM CURSO. CABIMENTO. TEMA N. 1199 DO STF. PETIÇÃO INICIAL. REJEIÇÃO INDEVIDA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DA EXISTÊNCIA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DE FATOS INCONTROVERSOS. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DO AGENTE. ELEMENTO SUBJETIVO E DANO AO ERÁRIO. AFERIÇÃO APÓS A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. REVOGAÇÃO DE PARTE DOS TIPOS IMPUTADOS NA EXORDIAL. CONTINUIDADE TÍPICO-NORMATIVA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
- O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de mérito do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1199), analisou as alterações promovidas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/1992) pela Lei n. 14.230/2021, fixando as seguintes teses: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei” (ARE 843.989, Relator ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022).
- O Pretório Excelo, ao julgar o Tema n. 1199, decidiu pela irretroatividade das normas mais benéficas introduzidas pela Lei n. 14.230/2021 (revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa e regime prescricional) aos processos transitados em julgado. Contudo, autorizou a aplicação da norma que revogou a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa aos processos com condenação ainda sem trânsito em julgado.
- Em julgamentos subsequentes, a Suprema Corte estendeu a aplicação do Tema 1199, ao concluir pela retroatividade das alterações mais benéficas promovidas pela Lei n. 14.230/2021, não apenas aos casos de improbidade administrativa culposos não transitados em julgado, mas também a outros casos de atipicidade. Precedentes: ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator LUIZ FUX, Relator p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023; ARE 1.346.594 AgR-segundo, Relator GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24-10-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 30-10-2023 PUBLIC 31-10-2023; (RE 1452533 AgR, Relator CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 08-11-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 20-11-2023 PUBLIC 21-11-2023.
- Em acatamento às diretrizes firmadas pela Suprema Corte, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido no mesmo diapasão. A propósito, os seguintes julgados: REsp n. 2.107.601/MG, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 2/5/2024; EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.174.735/PE, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 8/3/2024; EDcl nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp n. 1.706.946/PR, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 19/12/2022.
- No caso dos autos, por se tratar de processo, ainda em curso, em que se imputa a prática de ato de improbidade administrativa, são aplicáveis, retroativamente, as alterações introduzidas pela Lei n. 14.230/2021.
- A petição inicial da ação de improbidade pode ser rejeitada tão-somente quando não houver indícios mínimos da existência de ato de improbidade administrativa. Havendo a sua presença, deve ser a exordial recebida e realizada a instrução processual, sendo a sentença o momento adequado para aferir a responsabilidade do agente, incluindo a existência de conduta dolosa, bem como a ocorrência de dano efetivo ao erário. Precedentes desta Corte Superior.
- No caso concreto, os fatos incontroversos narrados no acórdão recorrido, os quais deram suporte à sua conclusão, constituem indícios mínimos da prática de ato de improbidade, suficientes para determinar o recebimento da peça inicial, ao contrário do que compreendeu o Tribunal estadual. Não se cuida de reexame provas, motivo pelo qual não incide a Súmula n. 7 do STJ, mas se trata de qualificação jurídica dos fatos, que consiste em atribuir aos fatos incontroversos constantes do acórdão recorrido definição, consequência ou natureza jurídica diversa daquela que lhes foi conferida pela Corte de segundo grau, o que é permitido na via do recurso especial.
- O fato de que o réu se utilizou das imagens publicitárias do Programa “Asfalto Novo”, para publicá-las em suas contas pessoais em redes sociais, diferentemente do que afirmou a Corte estadual, constitui indício mínimo suficiente de que a contratação da aludida campanha publicitária poderia ter ocorrido objetivando a promoção pessoal do requerido, como inclusive, entendeu o Juízo de primeiro grau. Tal indício, por si só, seria suficiente para justificar o processamento da ação de improbidade.
- A decisão do Juízo de primeiro grau que recebera a petição inicial elenca outro fato – cuja existência não foi afastada no acórdão recorrido – que também justifica o recebimento da petição inicial. Com efeito, a circunstância de que o valor empregado na campanha publicitária do “Programa Asfalto Novo”, correspondia a mais de 20% (vinte por cento) do montante utilizado no referido programa de asfaltamento, sendo que, no mês de dezembro de 2017, a verba de publicidade foi inclusive superior ao valor aplicado na execução do programa de asfaltamento, evidencia uma desproporcionalidade que constitui indício de intenção de promoção pessoal, mormente quando, como narrou a petição inicial, e é fato notório, no ano seguinte (2018), o requerido renunciou ao mandado de prefeito para candidatar-se ao cargo de Governador do Estado.
- Circunstâncias que impõe a reforma do acórdão recorrido, na parte em que rejeitou a petição inicial da ação de improbidade administrativa.
- Por fim, verifica-se que a conduta imputada ao recorrido, caracterizada pela realização de publicidade institucional com recursos públicos para fins de autopromoção, anteriormente enquadrada no caput e no inciso I do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, passou a ser expressamente contemplada pelo inciso XII do mesmo artigo, introduzido pela Lei nº 14.230/2021. Tal alteração legislativa conferiu maior precisão à tipificação desse tipo de ato ímprobo, deixando claro seu enquadramento normativo.
- Recurso especial parcialmente provido, para restabelecer a decisão do Juízo de primeiro grau , na parte em que recebeu a petição inicial da ação, determinando o seu prosseguimento.
- (REsp n. 2.175.480/SP, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 21/2/2025.)
Dessa forma, ainda que tenha ocorrido uma reorganização normativa, a situação jurídica do recorrido permanece inalterada, pois a essência da conduta vedada foi mantida. A modificação legislativa não trouxe impacto substancial ao caso concreto, uma vez que a prática já era considerada violação aos princípios que regem a administração pública, especialmente os da impessoalidade e da moralidade.
STJ/EQUIPE DE REDAÇÃO
Da Redação com informações do STF
Foto: Reprodução/ Agência Brasil
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