Determinada a encontrar o assassino de sua filha, Lucinha Mota se tornou investigadora e, após anos de investigação paralela à da polícia, conseguiu identificar o culpado. A emocionante jornada desta mãe em busca de justiça é uma história de perseverança e coragem.
Beatriz Angélica Mota Ferreira da Silva foi morta aos sete anos, em dezembro de 2015, em Petrolina (PE). Seu corpo, com marcas de facadas, foi encontrado na escola onde estudava. Lucinha Mota, sua mãe, dedicou-se a encontrar o assassino, conduzindo uma investigação paralela à da polícia por anos. Após percorrer mais de 700 quilômetros, Lucinha finalmente identificou o culpado.
O homem responsável foi indiciado por homicídio qualificado e está preso por estupro de outra criança. Ele confessou o crime e está aguardando julgamento. Em entrevista, Lucinha Mota compartilhou sua jornada em busca de justiça.
“Três meses após o crime, eu cheguei ao fundo do poço. Já tinha tentado tirar minha vida de todas as formas, minha família estava sempre muito vigilante e minha última alternativa foi deixar de comer”, relatou Lucinha. Após perceber que tinha duas opções – desistir ou lutar por justiça – ela escolheu viver para buscar a justiça para Beatriz. “Abandonei minha vida, abandonei meu trabalho: me dediquei 100% ao inquérito durante sete anos.”
Após inúmeras inconsistências na investigação oficial, Lucinha descobriu que o chefe da Polícia Científica de Pernambuco também trabalhava como segurança particular da escola onde o crime ocorreu. Desesperada durante a pandemia, Lucinha criou o movimento online “Somos Todos Beatriz”.
Toda semana, Lucinha Mota realizava uma live, onde teve a oportunidade de conhecer Freddy Ponce, um investigador de homicídios de Miami, nos Estados Unidos. Freddy se ofereceu para ajudar, prometendo treiná-la como investigadora criminal.
Nas primeiras reuniões, ele apenas a escutava. Depois, Freddy produziu um relatório que traçava o perfil do assassino de Beatriz. Enquanto a polícia seguia diversas teorias, como vingança contra o colégio ou satanismo, Freddy focou nas imagens, no caminhar e nos gestos do assassino, concluindo que se tratava de um criminoso sexual com vítimas infantis.
Lucinha começou a ter aulas semanais com Freddy, que, com base nas imagens das câmeras, produziu um retrato falado digital. Além disso, ela decidiu cursar direito para entender a linguagem técnica e o juridiquês, que achava difícil e rebuscado.
Ela distribuiu mais de 10 mil panfletos com o retrato falado por todo o país: Pernambuco, Bahia, Ceará, Piauí, São Paulo, Rio de Janeiro. Recebendo muitas denúncias, ela frequentemente investigava crimes de pedofilia em Petrolina. “Eu me caracterizava, colocava uma peruca loira, virei revendedora de cosméticos para não ser reconhecida.”
Seu objetivo era identificar suspeitos e levá-los à delegacia para exames de DNA, confrontando-os com o material do assassino encontrado na arma do crime. A meta era colocar esse DNA no Banco Nacional de Perfis Genéticos.
Lucinha começou sua investigação por um bairro e expandiu para outras cidades e estados. Eles tinham uma rotina semanal de como falar e agir, tudo muito bem organizado por Freddy. Ela pediu ao governador para colocar o DNA do assassino de Beatriz no banco de dados, pois, sendo um criminoso sexual, a chance de identificá-lo seria alta.
Durante anos, Lucinha peregrinou de porta em porta, batendo com revistas de amostras, conversando sobre os produtos e coletando informações sobre quem procurava. No Ceará, identificou suspeitos duas vezes, foi à delegacia, compartilhou com o delegado, que encaminhou viaturas e fez todos os procedimentos, mas Pernambuco não buscou o material genético.
Lucinha decidiu tomar uma atitude mais forte para chamar a atenção do país inteiro. “Resolvi caminhar 721 quilômetros, de Petrolina até Recife. Outras pessoas se mobilizaram e foram comigo nos 24 dias e 23 noites.”
Quando chegaram à capital, em dezembro de 2021, o governador se viu na obrigação de recebê-la. Lucinha pediu que colocasse o DNA presente na arma do crime no banco nacional, e ele disse que já tinha feito, mas ela sabia que não. Só quando ela ameaçou denunciá-lo à Corte Interamericana dos Direitos Humanos como cúmplice do assassinato, o DNA foi finalmente inserido no banco. Foi então que chegaram à identidade do assassino de Beatriz.
Ele já estava cumprindo pena por estupro contra uma criança de oito anos, ocorrido um ano após a morte de Beatriz. O DNA do homem apontado como assassino estava no banco nacional desde 2017. Isso prova que só confrontaram o material genético da arma do crime depois da caminhada até Recife.
Lucinha conseguiu finalizar uma etapa, o inquérito, alcançando justiça ao identificar a autoria e a motivação do crime. Porém, isso só terá fim no dia em que o assassino for julgado e condenado, no dia em que ela sair do júri com a sentença dele. Só assim Beatriz terá a justiça que merece.
Por meio de nota, a assessoria de Paulo Câmara, então governador de Pernambuco, afirmou que “a investigação do caso Beatriz foi uma das mais complexas já realizadas pela Polícia Civil de Pernambuco”. Segundo a nota, a evolução da tecnologia e a dedicação da equipe de genética forense da Secretaria de Defesa Social possibilitaram a identificação do DNA do autor. “Imediatamente o resultado foi colocado no banco de perfis genéticos do estado e se chegou ao criminoso, que já respondia por estupro de vulnerável.”
“Enquanto não se chegou à irrefutável prova genética, a força-tarefa e os delegados do caso produziram um inquérito de 24 volumes, com 124 análises de perfis genéticos, seis reconstituições, 442 depoimentos, sete tipos diferentes de perícias, 900 horas de imagens e 15 mil chamadas telefônicas analisadas”, diz a nota do ex-governador Paulo Câmara.
Foto: Arquivo Pessoal