Durante as enchentes que devastaram Porto Alegre no mês passado, a Sogipa montou uma estrutura de acolhimento para receber doações e abrigar os afetados. Entre os muitos voluntários, o atleta de ginástica artística João Lucas decidiu ir além.
“Não consegui ficar em casa, nem no clube, e me voluntariei para ajudar o pessoal. Começava às 7h da manhã e continuava até as 10h da noite, foram três dias assim,” conta João. Aos 21 anos, ele arriscou sua vida no bairro Humaitá, onde cresceu. “É uma zona bem humilde, as casas foram totalmente tomadas por água, destruídas. Uma das minhas tias perdeu a casa. Tinha muitos voluntários, mas nenhum conhecia a zona como eu, que me criei lá, então consegui ajudar bastante.”
Os resgates eram feitos de maneira improvisada. “A gente pegava tudo que tinha, que boiava, e colocava as pessoas dentro. Como elas não queriam se molhar ou havia correnteza, a gente ficava puxando, levava até o ponto de extração, onde o Exército estava indo. Pegávamos também coisas emprestadas com outros voluntários: barco, embarcação, jet ski…”
João Lucas calcula ter resgatado sozinho 70 pessoas, de um total de cerca de 200 que seu grupo salvou. No entanto, ele se ressente de uma vida que, literalmente, escapou de suas mãos. No terceiro dia de resgates, ele usava um caiaque emprestado pelos Bombeiros para acessar uma área perigosa perto do “Beco X”, no Humaitá.
“Não dava pé. Eu tenho 1,68m, e a água estava em 1,68m quase. Eu fui resgatar uma mãe, uma criança e uma senhora. Colocamos elas no colchão inflável em cima de pranchas. Só que o pessoal que estava ajudando de jet ski passou muito rápido do nosso lado, fez onda, isso fortaleceu a correnteza, e a senhora escapou das minhas mãos, caiu, e acabou sendo levada pela correnteza.”
No fim do dia, uma embarcação passou pelo grupo com alguns corpos, e um deles, segundo outras pessoas que estavam no resgate, era o daquela senhora. “É uma coisa que abalou o psicológico, mas já desde o momento que a gente entrou, os Bombeiros falaram: não tem como salvar todo mundo, não vai ter como salvar as casas das pessoas, é redução de danos.”
Desde então, João convive com o orgulho do que fez pelos conterrâneos e com a dor pela vida que não conseguiu salvar. “É uma coisa que não dá para ficar pensando muito. É triste, mas não foi uma [morte]. Foi uma nas minhas mãos, mas foram várias [mortes], então é tentar manter o psicológico e fazer o máximo que puder para ajudar. Agora é tentar focar a cabeça na ginástica, no meu trabalho, e rezar para que não aconteça de novo.”
No fim de semana, João Lucas competiu no Troféu Brasil de Ginástica Artística, participando apenas no solo. Ele terminou a competição, que vale como campeonato brasileiro por aparelhos, na 13ª colocação.
Da redação do Acontece na Bahia
Foto: Reprodução/Facebook