Imagine o choque de receber uma caixa de madeira na porta de casa e descobrir que dentro dela estão os restos mortais de sua própria mãe. Essa situação macabra foi vivida por uma senhora de 71 anos no bairro Engenho Velho de Brotas, em Salvador. O caso, que envolve mistério e possíveis crimes, está sendo investigado pela polícia.
A idosa, cujo nome não foi divulgado, conta que recebeu a urna no dia 23 de abril deste ano, das mãos do marido de uma prima. Desde então, ela enfrenta um drama para conseguir enterrar novamente os ossos de Vanina Bomfim de Lima, falecida em 2016. A situação virou caso de polícia e foi registrada na 6ª Delegacia (Galés) por destruição, subtração ou ocultação de cadáver.
Segundo a idosa, a ossada estava enterrada no Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas. A administração do cemitério confirmou a exumação, afirmando que todos os trâmites legais foram seguidos. No entanto, a aposentada alega que não foi informada sobre a retirada dos ossos de sua mãe e agora enfrenta dificuldades para encontrar um local adequado para o reenterro.
A idosa descreve o momento em que recebeu a caixa como algo “assustador”. “Eu comecei a gritar: ‘Meu Deus, o que é? Jesus, meu Pai, o que é isso?’”, relata. Ela conta que não teve coragem de ver o conteúdo pessoalmente e pediu ao neto que verificasse. “Eu não tive coragem de ver pessoalmente. Começo a passar mal”, desabafa.
Vanina Bomfim de Lima foi enterrada no mesmo jazigo de Maria*, uma parente que, segundo a idosa, mantinha os laços familiares distantes devido a preconceitos raciais. Maria, que era dona do jazigo, faleceu em 2019, e a prima da idosa, filha de Maria, decidiu pela exumação das ossadas para transferi-las para outro local. Essa decisão gerou um conflito que culminou no episódio macabro.
Uma foto da caixa de madeira, contendo o crânio e os ossos, ao lado de uma boneca de pano preta com vestido vermelho, ilustra o cenário surreal que a idosa encontrou ao abrir a caixa.
A idosa tenta desesperadamente encontrar uma solução para o destino dos restos mortais, mas enfrenta obstáculos. “Eu já pedi ajuda a vários órgãos, mas até agora nada. Não sei o que fazer com a ossada. Não pode ficar aqui”, afirma, preocupada com os gatos de seu neto que tentam abrir a caixa.
A história ganha contornos ainda mais sinistros quando a idosa relata que a caixa continha uma boneca de pano que não estava lá no momento do sepultamento original. “Eu não sei o motivo. Quando enterrei minha mãe, não havia essa boneca”, diz, suspeitando que a prima tenha colocado o objeto na caixa por alguma razão desconhecida.
Ainda em choque, a mulher revela que Vanina era prima de Maria* (nome alterado), mãe da prima que ela suspeita ter orquestrado o ato macabro. “Eu não sei por que isso aconteceu,” lamenta. Quando estava viva, Maria, que tinha boas condições financeiras com imóveis na Barra e no centro de Salvador, comprou um jazigo familiar no Jardim da Saudade. Após o falecimento de Vanina, aos 90 anos, de insuficiência cardíaca, em 8 de dezembro de 2016, Maria fez questão de enterrá-la no mausoléu da família, que ela mantinha. Maria faleceu em 18 de janeiro de 2019, aos 80 anos, e foi sepultada no mesmo túmulo.
Segundo a idosa, os restos de sua mãe foram removidos sem que ela fosse informada. “Todos os meus contatos estão no cemitério, mas ninguém me avisou,” afirma. Ela conta que depois entrou em contato com o Jardim da Saudade para entender a situação e tentar levar os restos mortais da mãe de volta ao mausoléu. “O gerente me disse que minha prima retirou os dois restos mortais para enterrá-los em outro lugar e que não poderiam receber os restos da minha mãe de volta,” recorda.
Desesperada, a mulher buscou ajuda na Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), que oferece serviços de cremação gratuitos para pessoas em situação de vulnerabilidade. No entanto, seu pedido foi negado. “Me disseram que poderiam fazer se fosse um enterro municipal,” relata.
Ela também procurou a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, “para ver se queriam usar os restos para aulas ou pesquisas. Tenho pedido ajuda a todas essas instituições, mas até agora, nada. Não sei o que fazer com os restos. Eles não podem ficar aqui. Meu neto tem gatos, e eles estão tentando abrir a caixa,” diz, aflita.
Sempre que conta sua história, as pessoas ficam chocadas, ela continua. Ela lembra de um policial militar que ficou espantado com seu relato. “Ele me disse: ‘Em todos os meus anos na corporação, nunca vi algo assim—pegar restos de um cemitério e deixar na casa de alguém,’” ela relata, acrescentando que registrou uma queixa na 6ª Delegacia Territorial (Galés).
A caixa, com cerca de 80 cm de largura, contém um crânio com alguns cabelos ainda presos, vários ossos e uma boneca de pano preta vestindo um vestido vermelho. “Eu não sei por que. Quando enterrei minha mãe, não havia boneca. E está em bom estado,” a mulher diz, acusando sua prima de ter colocado o brinquedo na caixa. Perguntada se havia algum motivo para isso, ela responde que não sabe. “Só ela pode explicar por que fez isso.” Contudo, ela também relata ter sofrido injúria racial no dia em que a caixa foi entregue. “Ela [a prima] gritou: ‘Você não é minha parente, você não é da minha família, sua preta! Eles são brancos, de descendência italiana,’” a idosa recorda.
Ela explica que as duas famílias nunca foram próximas, apesar do carinho que Maria tinha por Vanina. A distância aumentou após um casamento. “Minha mãe casou com um homem negro, e eles nunca aceitaram. Por isso se afastaram. Por causa desse preconceito, minha mãe tirou o sobrenome da família,” a mulher conta, acrescentando que não tem dinheiro para lidar com os restos. “Minha aposentadoria mal dá para os meus remédios. Tenho muitos problemas de saúde. Cheguei até a ficar deprimida,” revela.
A administração do Cemitério Jardim da Saudade oferece uma versão diferente dos fatos. Segundo a gerente geral, Bárbara Cristina Bembem de Brito, a filha de Maria decidiu exumar os restos porque estava se mudando de Salvador e optou por transferi-los para um cemitério de igreja. Brito afirma que a idosa foi informada previamente.
“A proprietária do jazigo entrou em contato com a prima [a idosa]. A prima disse: ‘Pegue os restos e jogue no lixo.’ Ela recusou, dizendo que enterraria ambos os restos. Ela foi até a casa da idosa porque, para transferir os outros restos para a igreja, a prima precisava estar presente. Então a idosa disse para deixar os restos lá, que ela cuidaria disso,” Brito explica. Três meses depois, o cemitério foi acionado pela 6ª Delegacia Territorial. “Apresentamos todos os documentos, e até sugerimos a cremação pela Prefeitura, mas ela ainda não trouxe os restos,” afirma Brito.
Geralmente, a exumação é realizada três anos após o sepultamento. Um parente próximo deve estar presente, e o processo pode ser realizado por razões legais ou para transferir os restos para outro local ou cidade.
A gerente do cemitério ficou surpresa ao saber que os restos de Vanina estavam em uma caixa de madeira com a boneca. Ela explica que os restos exumados são colocados em uma urna acrílica selada com uma placa de alumínio contendo o nome do falecido. Nenhum item adicional é incluído. “Depois, embalamos em dois sacos pretos e entregamos à família ou à funerária. Não há como ter saído daqui em qualquer outra coisa. Nem temos caixas de madeira aqui. A urna funerária foi definitivamente adulterada,” Brito assegura.
O delegado responsável pelo caso deu mais detalhes: “Estamos tentando encontrar um local adequado para esses restos mortais na casa dela [a idosa]. Já realizamos todas as investigações necessárias, ouvimos todos os envolvidos, e estamos determinando se houve ou não crime. Até agora, não parece que há um delito. Essa situação pode precisar ser resolvida de outra forma, não pelo sistema de justiça criminal,” diz Ramon e Silva Costa, delegado de plantão na 6ª Delegacia Territorial (Galés).
Perguntado sobre o boletim de ocorrência inicial, que citava destruição, furto ou ocultação de cadáver, ele respondeu: “Isso é só a narrativa inicial. O boletim inicial não significa que é isso que realmente aconteceu. A polícia então investiga, decide o caminho a seguir e, se o fato não for criminal, a tipificação legal será revista,” explica.
A Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública respondeu que “já possui todos os modelos anatômicos necessários para estudo, por isso não aceita esse tipo de material.”
A Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) afirmou que “oferece serviços de cremação gratuitos para restos mortais sepultados e exumados em cemitérios públicos municipais.” Para mais informações, visite o site: https://ordempublica.salvador.ba.gov.br/cemiterio-publico/.
Enquanto a mulher do Engenho Velho de Brotas está horrorizada com os restos de sua mãe, Israel dos Santos Assis, da Grande Salvador, não hesitou em profanar um túmulo e roubar ossos humanos de um cemitério no dia 23. Sua audácia não parou por aí—ele usou os ossos para cozinhar feijão.
“Eu lavei, limpei e coloquei no feijão. Mas não é para comer, só mastigar e depois cuspir. Eu não engoli nada. [É só] para sentir o gosto. Ainda coloquei Sazon”, ele revelou em um vídeo que circula nas redes sociais. Israel foi preso em flagrante em julho, acusado de violar sepulturas em São Francisco do Conde.
No vídeo, ele também detalha como entrou no cemitério durante a noite para não ser visto por ninguém e levou uma marreta para abrir os caixões. Quando questionado sobre onde conseguiu a ossada, ele respondeu que foi no Cemitério do Coroado e descreveu como abriu a tampa do caixão. “Ninguém viu, não. De noite,” disse ele. “Era novo, não era velho,” acrescentou.
No dia da prisão, os policiais encontraram com ele um saco contendo ossos humanos. A polícia informou que ele foi preso por violar sepultura e que não há evidências de prática de canibalismo. Além disso, Israel será investigado por tráfico ilícito e uso indevido de drogas.
A investigação policial continua, tentando desvendar os motivos por trás desse ato e determinar se houve ou não crime.
Foto: Marina Silva/ CORREIO