Quadrilhas especializadas em sequestros de ciganos veem nessas vítimas um “negócio” lucrativo na Bahia. Para libertá-los, exigem valores que variam entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. As vítimas, geralmente bem-sucedidas em negócios como a venda de veículos, terrenos e lojas, são alvo constante, além de sofrerem com extorsões. Saiba detalhes de como agem os criminosos.
“Os casos estão ligados ao fato de os ciganos serem bem-sucedidos, pois muitos são comerciantes. Outro fato predominante são as exposições. Eles gostam de mostrar veículos caros, cordões de ouro e outros objetos de valor nas redes sociais. Tem caso até de disputa entre ciganos para quem tem o carro mais caro, lógico que isso vai atiçar os bandidos,” declarou Rogério Ribeiro, presidente da Rede Brasileira dos Povos Ciganos (RBPC).
Desde janeiro deste ano, a RBPC registrou quatro sequestros e duas extorsões. No ano passado, foram 10 ocorrências; em 2022, 20; e em 2021, 21. O sequestro mais recente ocorreu em 6 de junho, na cidade de Ibirataia. Um cigano foi abordado por quatro homens armados enquanto dirigia. Libertado no dia seguinte em Feira de Santana, a família pagou R$ 150 mil pelo resgate. “Largaram ele numa estrada de chão e com o rosto coberto. No local não havia câmeras. Eles analisaram todo o local para não deixarem pista alguma,” disse Rogério.
Em fevereiro, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), outro caso aconteceu em Camaçari. “A vítima, de pouco mais de 20 anos, estava de bobeira na rua quando a pegaram. Foi uma ação muito rápida. No dia seguinte, já estava livre porque os pais deram R$ 200 mil,” contou Rogério.
Em abril, um jovem de 18 anos foi sequestrado pela segunda vez em menos de um ano em Santo Antônio de Jesus. “Desta vez, ele ficou três dias no cativeiro. A família pagou pouco mais de R$ 200 mil pela soltura,” relatou Rogério.
Outro sequestro em abril envolveu um cigano em Maracás, que foi agredido e abandonado após a família pagar entre R$ 200 mil e R$ 300 mil. “Ele apanhou muito, sofreu um corte grande, levou muitos pontos na cabeça. A família conseguiu ajuda de outros ciganos e pagou o resgate. A vítima foi largada em Milagres, próximo de uma fazenda estrada de chão,” disse Rogério.
Infelizmente, nem todos os casos terminam bem. Em março do ano passado, Lourival Gama reagiu a uma tentativa de sequestro em Simões Filho e foi baleado na barriga, falecendo depois. Câmeras de segurança registraram a ação.
Os resgates começam com valores exorbitantes. “Tivemos casos que já pediram R$ 500 mil, R$ 1 milhão e até mais, mas vai reduzindo à medida que a negociação avança. Em média, o valor acordado para pagamento fica entre R$ 200 mil e R$ 300 mil. Quando a família não tem o valor todo em espécie, as quadrilhas exigem joias, pulseiras, alianças,” contou Rogério.
A Polícia Civil afirma que não há registros recentes de sequestros de ciganos na Bahia este ano. “Nós tomamos conhecimento de alguns casos e chamamos as famílias aqui, mas ninguém vem. Já fomos às comunidades, mas as próprias vítimas e seus parentes negaram. A polícia trabalha com demanda. Ou seja, se não tem o registro das informações, a polícia não tem elementos para trabalhar,” declarou o delegado Adailton Adan, titular da Delegacia Especializada Antissequestro (DAS).
Para Rogério, o medo é um fator crucial. “Geralmente tem policiais e ex-policiais envolvidos nos sequestros, que sabem quem são as famílias das vítimas, a rotina de cada um. Aí ameaçam matar o filho, a mulher, os pais. E dizem para não falar com a polícia, mesmo depois do resgate pago, caso contrário voltam para matar todo mundo. Mas isso é também perigoso, porque estimula a prática do crime. Temos casos de ciganos que já foram sequestrados mais de uma vez,” disse Rogério.
O ex-policial militar Jonas Oliveira Góis Junior, apontado como sequestrador, foi morto em troca de tiros com policiais. Conhecido como Joninhas, ele resistiu à prisão e tinha um mandado em aberto.
Este ano, três assassinatos foram registrados na comunidade cigana na Bahia. No ano passado, foram 19 óbitos. Agilson Ribeiro Dantas, de 58 anos, foi baleado em Camaçari após ameaças de morte, e Reinaldo Guilherme Fernandes Dourado, de 21 anos, foi baleado em Guanambi.
A RBPC lançou a campanha “Ciganos, não se calem! Façam o B.O” para incentivar denúncias. “A desconfiança com o Estado, de não ser acolhedor, é um dos motivos para a não denúncia. Temos um histórico de violência da polícia e dificuldade do Estado de promover a inclusão das diferenças,” explicou o professor Phillipe Cupertino, da Universidade Federal de Jataí (UFJ).
A RBPC estima que no Brasil vivam ciganos distribuídos em três etnias: calon, roma e sinti. A maior concentração está em Souza, na Paraíba, com 500 famílias. A Bahia, porém, é um dos estados com maior número de comunidades ciganas.
Desde 2014, os povos ciganos não aparecem nas pesquisas do IBGE, mas após uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF), o IBGE os incluirá no censo demográfico de 2030. Um relatório técnico encomendado pelo Ministério da Igualdade Racial trará dados sobre a presença e demandas dos ciganos.
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