Medicina Preta: primeira turma de médicos da UFRB entra para a história

Berço da medicina no Brasil e estado com população majoritariamente preta e parda, a Bahia nunca formou tantos médicos negros numa só turma como agora. A colação de grau dos veteranos de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), no dia 29 de agosto, é inédita, não só para a instituição, como também na história do ensino superior brasileiro.

Numa foto que viralizou nas redes sociais, 12 estudantes – 41% dos formandos – posam imponentes de braços cruzados. Para alguns, o marco representado na imagem se confunde com um desvio na história, mas o novo capítulo é simbólico; mina uma tradição alheia à diversidade de perfis, e impacta a área da saúde, no estado, sem precedentes.

“Ser da primeira turma traz o ‘peso’ de estar levando a ‘cara’ da UFRB comigo. A missão é fazer com que as pessoas conheçam a universidade e a qualidade do curso de Medicina no mercado de trabalho”, afirma Keline Carvalho, 27 anos, de Amargosa, recém-contratada na terra natal.

Por dias, a imagem em questão percorreu perfis de pessoas anônimas e públicas, a exemplo da conta no Twitter do ex-presidente Lula. 

Keline, que dispensa o título de doutora, já tem mestrado e especialização e está em um grupo no WhatsApp, junto aos colegas negros. Nele, compartilham informações úteis às suas trajetórias médicas. O diálogo entre os novos médicos, inclusive, tem gerado oportunidades de trabalho. Alguns conseguiram contratos e, então, indicaram os colegas.

“Temos um grupo no WhatsApp para nos fortalecermos e trocar experiências”, escreve Lícia Reis, 29, natural de Santo Antônio de Jesus e médica em Iaçu. Aos cinco anos, ela já sonhava em ser médica. Começou a trabalhar aos 15, como manicure e, durante a faculdade, conciliava o trabalho com os estudos.

No início da graduação, conta, houve um congresso no qual um professor falou sobre o perfil racial do curso de Medicina da UFRB. A plateia que ouvia o docente teria ficado visivelmente desconfortável. “A sensação era de que nós, alunos negros, estávamos ‘sujando a medicina’. Dali por diante, teria que provar a todo momento que eu era capaz, sim, de me tornar médica”, conta.

Os episódios de racismo, velados ou explícitos, são comuns nos depoimentos dos estudantes da UFRB. Apesar disso, serviram também de força motriz para Fabíola Souza, 28, de Serrinha: “Diferente da maioria das jovens negras, sem a mesma oportunidade, ocupei esse lugar e hoje vejo que ele nos pertence, apesar de nos dizerem o contrário”.

A médica Reisyanne Lopes, 30, de Feira de Santana, considera que a formatura de uma mulher preta representa um ato político e de resistência. “A medicina era algo inalcançável porque não é muito comum que uma mulher preta, de família humilde, estudante de escola pública, filha de motorista de táxi e agente comunitária de saúde se torne médica, não é mesmo?”, indaga.

Perfil das escolas médicas
A antiga Academia Médico-Cirúrgica, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), é um exemplo de como determinadas exigências acentuaram as desigualdades e excluíram pessoas de classe baixa, antes da implantação de cotas étnico-raciais.

(Fonte: Correio24hrs)