Pedro Peroso: a história do rapaz que foi morto pelo melhor amigo, por causa de R$ 1 mil

Era dia 18 de outubro de 2018. Depois de buscar a mãe no trabalho, Pedro Victor de Almeida Peroso, 18 anos, despediu-se dela e saiu para encontrar amigos da faculdade no shopping de Várzea Grande (região metropolitana de Cuiabá). A pedagoga Nádia Batista de Almeida Peroso, 48 anos, não sabia, mas essa seria a última vez que veria o filho.

Na madrugada do dia 19 de outubro de 2018, por volta de 1h30, Pedro ligou para um amigo de longa data, Vanderson Daniel Martins dos Santos, hoje com 22 anos. Queria cobrar uma dívida. Ele havia vendido um aparelho de som automotivo ao amigo.

Os dois se encontraram, passaram em um posto de combustível e, posteriormente, por volta das 2h30, foram até uma distribuidora, onde Pedro comprou bebida para os dois.

De volta ao carro de Pedro, Vanderson disse que o pagaria e que o dinheiro estava na casa de um parente que morava no Bairro Jardim Maringá I, em Várzea Grande.

As investigações da Polícia Judiciária Civil apontaram que tudo não passava de uma armadilha. Pedro acabou assassinado naquela madrugada, dentro de seu carro, com diversas perfurações de faca.

Na denúncia do Ministério Público Estadual, consta que ele foi pego de surpresa, enquanto ainda estava com o cinto de segurança.

Ele chegou a sair do carro e a pedir ajuda pela Rua Dom Camilo Ferezine. Vizinhos do local do crime relataram terem ouvido os pedidos de socorro –, mas Pedro caiu em frente a uma casa sem muros. Não resistiu aos ferimentos e morreu.

Seu carro foi encontrado ensanguentado e com o para-brisas quebrado por uma pedra. Pela cena, parecia uma tentativa de um latrocínio.

Todos os amigos que estiveram com Pedro nas horas antes do crime foram ouvidos, inclusive o apontado pelo Ministério Público como sendo o assassino. Foi somente após uma denúncia anônima e da análise de imagens de câmera de segurança que a polícia suspeitou de Vanderson.

As gravações mostraram que ele estava com Pedro quando, em depoimento, disse que estava com a namorada. Afinal, quem suspeitaria de um dos melhores amigos da vítima?

Amizade de longa data
Pedro era um bom aluno, educado, gostava de ler e escrever. Desde pequeno foi o companheiro da mãe e todos os dias ia à casa da avó. Precisava da benção dela.

Filho único, passou a maior parte da vida grudado à mãe. Pedagoga concursada, ela lecionava nas mesmas escolas em que ele estudava. Uma rotina que só mudou quando Pedro cresceu e foi matriculado em escola particulares. Logo após, veio a faculdade de Direito.

Ele não precisava, mas quis começar a trabalhar cedo. Aos 16 anos teve seu primeiro emprego em uma loja de chocolates. Preocupada, a mãe o buscava todos os dias no trabalho. Aos 18, Pedro tirou a carteira de habilitação e a situação se inverteu: era ele quem levava e buscava a mãe em todos os lugares.

Em meados de 2012, Pedro conheceu Vanderson. Mas foi só em 2016 que eles se aproximaram mais e passaram a estar sempre juntos. Segundo Nádia, Pedro gostava muito do amigo.

“Era como irmão dele. O Pedro era um pouco carente, por ser filho único, e se apegou muito”.

Vanderson estava sempre na casa da família. Ele tinha um lava-jato e, o pai de Pedro, um caminhão-pipa. Assim, sempre que sobrava água o filho pedia que o pai levasse para ajudar o amigo. Tudo sem cobrar nada.

O rapaz acabou “adotado” de tal forma pela família que seu aniversário, em agosto de 2018, foi feito no barracão do pai de Pedro.

“Ele pediu para fazer o aniversário lá, meu marido deixou. Fui lá com ele, limpei e ajudei a comprar as coisas para o aniversário do assassino”, disse Nádia, em entrevista ao LIVRE.

No dia 15 de outubro, Vanderson almoçou na casa da família de Pedro. Uma comemoração ao Dia do Professor, profissão de Nádia.

Também nos dias 16 e 18, horas antes de, conforme o Ministério Público, cometer o assassinato.

Em seguida, os dois entraram no Ford Ka branco que Pedro dirigia. Foi quando Vanderson disse que o dinheiro estava na casa de um parente, no Bairro Jardim Maringá I.

Como os dois eram “amigos de longa data” – um termo bastante citado no processo -, Pedro confiou.

“O Pedro confiava nele. A gente confia nos amigos”, disse a mãe da vítima.

De acordo com o promotor de Justiça Milton Mattos da Silveira Neto, Vanderson ligou para uma terceira pessoa – que ele nunca revelou quem é – e avisou sobre o local para onde levaria Pedro.

Ao chegar na Rua Dom Camilo Faresini, Vanderson, do banco de passageiro, tirou a chave do carro do contato, sacou uma faca e matou o amigo, segundo consta na denúncia.

Moradores do local relataram terem ouvido os gritos, mas disseram, em depoimentos, ter sentido medo de sair para ver o que estava acontecendo.

Vanderson, então, teria tentado simular um latrocínio. Para fazer parecer que Pedro estava trabalhando no momento do crime e teria sido parado à força, jogou uma pedra no para-brisas do carro.

Depois disso, fugiu na garupa de uma motocicleta, com aquela terceira pessoa para quem havia ligado.

A cena do crime
A Polícia Militar foi acionada pelos moradores que ouviram Pedro pedir por socorro.

Segundo a delegada Jannira Laranjeira, Pedro jogou seu celular na primeira casa após o local em que o carro dele foi encontrado.

A Polícia Civil acredita que ele tentou proteger o aparelho, onde pode haver provas sobre o crime. Por se tratar de um Iphone, ele ainda não foi desbloqueado.

Depois, o rapaz ainda conseguiu seguir até a primeira casa sem muros da rua, onde caiu, não resistiu aos ferimentos e morreu.

A perícia apontou que Pedro sofreu ao menos 10 perfurações de faca na cabeça, no tórax, no abdômen, no ombro e nas mãos – lesões que demonstram a tentativa de defesa da vítima.

Foram encontradas marcas de sangue na parte interna da porta do motorista e no volante do carro, além de uma poça de sangue no chão.

A perícia apontou ainda que, além de Vanderson, havia mais alguém no carro. Foi encontrado sangue nas portas da frente e de trás do lado direito. Também gotejamento de sangue do carro até o ponto onde o corpo de Pedro foi encontrado.

Depois de fugir do local do crime, Vanderson ligou para a namorada e contou sobre o crime. Alegou legítima defesa, afirmando que o amigo teria tentado matá-lo primeiro.

Ele foi para casa, ainda com as roupas sujas e com a faca nas mãos. A namorada o orientou, segundo a polícia, a se esconder na casa da irmã.

Eles se desfizeram das roupas e da arma do crime e Vanderson deu início à tentativa de não levantar suspeitas contra si.

Início da investigação
A delegada Jannira Laranjeira, à época lotada da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), ficou à frente das investigações desde o dia do crime. Sua primeira ação, após ver o local, foi verificar quem esteve com Pedro no dia anterior.

Todos os amigos que estiveram com Pedro foram ouvidos, inclusive Vanderson. Ele contou que só esteve com Pedro no almoço e na tarde do dia 18. À noite, alegou ter ficado em casa.

Não ficou sob suspeita de imediato, mas uma coisa chamou atenção: ele foi a única testemunha ouvida que estava sem o celular.

“Todos os outros foram prestar declarações, depoimentos, com o aparelho celular e ele não. Então, isso já causou uma certa estranheza, porque a gente pede acesso. ‘Você mostra? Você concede a ligação?’ Ele falou que deixou o celular em casa, que tinha esquecido”, disse a delegada.

O segundo passo foi, com a ajuda da família, descobrir os locais por onde Pedro havia passado. O cartão de crédito ajudou na identificação.

Uma imagem que trouxe a verdade
Os investigadores da DHPP, então, foram até os locais e tiveram acesso às câmeras de segurança.

“A gente detectou que aquela testemunha – porque ele [Vanderson] era tratado como testemunha – tinha mentido. Ele falou que não teve contato com a vítima no período noturno”, relatou a delegada.

Pouco antes, a Polícia Civil recebeu uma denúncia anônima via 197. A pessoa relatava que uma menina de nome Nathaly tinha uma foto do namorado – identificado somente por um apelido – segurando uma faca com sangue. A imagem estaria salva em seu celular, a prova do crime.

Os policiais cruzaram as imagens e a denúncia e chegaram a Vanderson. Ele e a namorada foram presos, acusados de participação no crime.

Nathaly, no entanto, logo foi liberada. A polícia, a princípio, chegou à conclusão de que ela só soube do crime depois de já ocorrido.

“O que é posterior ao crime não cabe denúncia. Ela teria que anuir a vontade de matar”, afirmou a delegada.

Depois de preso, Vanderson confessou o crime. Também indicou o local onde jogou a roupa suja de sangue usada no dia do assassinato e a faca. Só a arma não foi encontrada.

Apesar de alegar legítima defesa, ele não possuía nenhum ferimento.

O motivo
As oitivas levaram à causa do crime. Tanto Vanderson, quanto outros amigos de Pedro, contaram que a vítima havia vendido um aparelho de som para ele.

Com quase todo o crime desvendado, faltava saber quem estava com Vanderson naquele dia.

“O perito aponta que, pela estrutura física corporal dele e da vítima, ele estava com outra pessoa. E há vestígios também no veículo de que outra pessoa estivesse no banco de trás, segundo a perícia”, relatou a delegada.

O inquérito precisou ser entregue em 10 dias, por se tratar de réu preso. A investigação, no entanto, seguiu na busca pelo comparsa.

Os celulares do suspeito, da namorada e da vítima foram encaminhados para perícia. Ao de Pedro, que ele protegeu para não ser levado, até agora, no entanto, não se teve acesso.

“Ele protegeu o celular. Talvez pensou: ‘Vão correr atrás de mim’. Nesse aparelho a gente acredita que tem informação. A gente não descarta a possibilidade de, nesse período de 20 anos, ser criada uma tecnologia que dê acesso e a gente desvende. Por isso, a gente preserva os objetos apreendidos”, disse a delegada, numa referência ao prazo de prescrição do crime.

Denúncia
O promotor Milton Mattos qualificou o assassinato como cometido por motivo torpe, “eis que assassinou a vítima para se livrar de uma dívida que tinha com Pedro”.

A denúncia aponta ainda que não há dúvida que Vanderson dificultou a defesa de Pedro, “já que este foi esfaqueado de surpresa, por seu amigo de longa data, enquanto estava sentado no banco do motorista com o cinto de segurança afivelado”.

A defesa tentou por diversas vezes que Vanderson respondesse pelo crime em liberdade, mas todas foram negadas pela Justiça.

O julgamento acontece nesta sexta-feira (29), às 13 horas, em júri popular.

O pai de Pedro, Reinaldo Peroso, foi admitido como assistente de acusação. Familiares planejam uma manifestação pacífica em frente ao Fórum de Várzea Grande.

Coração de mãe
No dia do crime, Nadia Batista sentiu que algo de errado havia acontecido com o filho. Ele sempre a atendia, mas naquela madrugada não atendeu. Ele nunca chegava tarde em dia de semana, mas naquela quinta-feira ele saiu e não voltou para casa.

“Eu falava pro meu marido: ‘alguma coisa aconteceu’. O meu filho nunca ficou sem atender meu telefone, nós ficamos desesperados”, lembrou Nádia.

Antes de receberem a notícia, a mãe chegou a assistir na TV que o corpo de um rapaz havia sido encontrado no Bairro Jardim Maringá I e ela se sentiu agoniada ao pensar que podia ser o filho dela. E era.

Quem recebeu a notícia da morte, porém, foi Reinaldo, o pai de Pedro. A delegada Jannira ligou, perguntou se ele conhecia o Pedro e, ao ouvir como resposta que era o filho da pessoa do outro lado da linha, disse: “Infelizmente ele está morto, ele foi assassinado”.

A mãe de Nádia, a tão amada avó de Pedro, foi quem precisou dar a notícia à filha, por volta das 8h30 da manhã.

Vanderson chegou a ir ao velório no sábado, para não levantar suspeitas, mas não entrou para ver o corpo. Afirmou estar passando mal e pediu que amigos o levassem para casa. Todos acharam normal, devido ao fato de os dois serem tão ligados.

“Acharam que fosse porque ele não queria ver o amigo, que ele falava que era o melhor amigo dele, lá morto”, contou a mãe de Pedro.

Vanderson viveu a vida normalmente, até o dia que as câmeras de segurança foram descobertas e ele foi preso. Nesse meio tempo, ele chegou a publicar uma foto no Facebook com a legenda: “Na incerteza do amanhã, escolhi o hoje para ser feliz”.

O enterro aconteceu em um sábado. Na segunda-feira, o pai de Pedro foi até Vanderson, não por desconfiar dele, mas porque achou que Pedro poderia ter confidenciado algo para o amigo.

“Meu esposo foi lá falar com ele. Falou: ‘Vanderson, você que estava bem ligado com o Pedro, o que está acontecendo? O Pedro te falou alguma coisa?’ Porque a gente ficou sem cabeça. Aí ele simplesmente falou: ‘Eu não sei, porque eu não vi o Pedro. Eu só almocei com ele, mas não vi mais ele, não saí com ele, estava com a minha namorada, não sei o que…’”, contou a mãe da vítima.

Nádia relatou que chegou a ver Vanderson depois do crime e que ele agiu com total naturalidade, como se nada tivesse acontecido.

“Ele é um rapaz muito frio. Ele é um perigo para a sociedade, porque se ele matou um amigo, que vivia ajudando ele… Ele matou meu filho pra não pagar. Imagine quando não for amigo dele? O que ele não vai fazer? Porque ele matou a pessoa que ele dizia ser amigo a facadas, por causa da pobreza de um dinheiro. Imagine quando não for, ou quando for uma dívida maior? O que ele não vai ser capaz de fazer? Ele vai ser capaz de matar não só a pessoa que ele está devendo, como o pai, a mãe, filho, o que a pessoa tiver”, lamentou Nádia.

Tomando remédios para conseguir lidar com a perda, um ano após o crime Nádia diz que hoje vive só por precisar viver e pela sede de justiça.

“Eu acho que eu tenho que ir atrás da Justiça, porque eu quero ele preso, eu quero ele com pena máxima, porque eu acredito ainda na justiça da terra. Com Deus ele não tem mais crédito, porque Deus perdoa, mas não gente que não se arrepende, e ele não se arrependeu um minuto do que ele fez. Ele fez uma crueldade muito grande”.

“A minha tristeza não sai mais do meu coração, minha vida acabou. Eu não tenho mais filho, eu não vou ser avó, eu não vou ser nada. A gente fica revoltada e se pergunta: ‘por que Deus fez isso comigo? Por que foi assim?’. Mas eu penso que se eu tirar minha vida eu não vou encontrar meu filho – e a única coisa que eu quero é me encontrar com meu filho”.

(Fonte: O Livre)