Jovem que fez transplante de pulmão presta Enem neste domingo

Perda de peso, tosse com sangue e fraqueza são sintomas que Samira Hassan Ali, de 39 anos, conhece bem. A administradora sofre com o problema desde os sete anos de idade, quando foi diagnosticada com bronquiectasia – nome dado para a dilatação irreversível dos dutos respiratórios. O recomeço de sua vida ocorreu há dois anos, quando recebeu novos pulmões durante um transplante na capital paulista. Desde então, a jovem de origem libanesa tem se programado para o novo capítulo: ser médica. Por isso, fez o Enem (Exame Nacional de Ensino Médio) na última semana.

Samira nasceu na capital paulista e, aos sete anos de idade, recebeu o diagnóstico de bronquiectasia – condição em que as vias aéreas dos pulmões são comprometidas. Desde então, a jovem foi forçada a adaptar um novo ritmo em suas atividades. “Eu não conseguia fazer nenhuma atividade física, porque ficava extremamente e rapidamente cansada”, conta. Ela lembra que, após subir um lance de escadas, precisava descansar alguns minutos, uma vez que “tinha dificuldade em respirar normalmente”.

Duas cirurgias, com o objetivo de corrigir o problema, foram feitas em 1991 e 2004. Ainda assim, o ritmo lento tomava conta de cada movimento que Samira realizava. Em 2015, entrou para a lista de transplante de pulmão, mas demorou dois anos até que a jovem recebesse a tão esperada ligação do hospital – em São Paulo, a cirurgia é executada no InCor (Instituto do Coração).

“Eu atendi e fui direto para o hospital, mas aí quando eu cheguei lá me informaram que o órgão não era adequado”, lembra acerca do dia 30 de maio. “Eu fiquei frustrada. Um filme passou na minha cabeça durante o tempo em que fiquei no hospital”, confessa. A explicação médica, segundo a jovem, era de que o órgão apresentou uma sequela de pneumonia e, por isso, não estava apto para ser transplantado. Uma nova ligação lhe ocorreu após 24 dias. “Dessa vez, quando me ligaram, já estava tudo certo. Já tinham analisado e o órgão era compatível”, conta sobre o 22 de junho. A cirurgia demorou cerca de 16 horas e o pós-operatório teve complicações. “Fiquei um mês na UTI, depois usei cadeira de roda. Foi uma adaptação difícil”, diz.

Nesse momento, o recomeço de Samira. “Eu não queria ficar parada. Eu queria voltar para a vida”, afirma. “Mesmo com as limitações, eu queria fazer coisas, até porque foi o meu renascimento.” Na época, Samira tomava diariamente 38 medicações. Seis meses após a cirurgia, o número foi diminuindo gradativamente e, atualmente, toma 15 por dia. “São remédios para não dar rejeição ao novo órgão, para o estômago, para não pegar infecção e afins”, especifica.

A partir de então, decidiu seguir com o sonho de ser médica. Por isso, em março de 2018 entrou no cursinho da Poli (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), que tem o objetivo de oferecer oportunidade de estudo a pessoas em situação de vulnerabilidade de acessar o ensino superior. O novo capítulo foi interrompido pela morte de um familiar que, à época, morava no Líbano. “A minha família viajou para o país e eu tive que parar com o cursinho”, lembra.

O sonho foi posto em prática novamente este ano. Desde o início de 2019, Samira estuda três vezes durante a semana e, no último domingo (3), fez a primeira prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “Foi difícil e o tema da redação foi inesperado”, conta. Neste ano, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgou o assunto logo após o início das provas: “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”. A jovem argumentou, em seu texto, que a arte cinematográfica no país comandado atualmente por Jair Bolsonaro (PSL) deveria ser mais democrática. “A população pobre e que mora em pequenas cidades, por exemplo, não têm acesso, e isso podia partir do próprio governo em popularizar o cinema”, diz.

A jovem se prepara, ainda, para o segundo dia do exame, que irá ocorrer no próximo domingo (10). Os candidatos irão responder 45 questões de matemática e 45 de ciências da natureza. E Samira faz um apelo: “deveria ter cota para transplantados”. “Existe uma cota, por exemplo, para quem possui deficiência sensorial. Mas deveria ser para qualquer um que já passou por transplante. Somos pessoas que, embora termos uma qualidade de vida melhor se comparada com os anos anteriores à cirurgia, ainda temos dificuldades e isso nos afeta”, argumenta.

(Fonte: R7)