Comissão formada por ex-ministros envia carta à cúpula e alerta: “Bolsonaro estimula agentes da devastação”

Nesta terça-feira (20), houve uma movimentação na política ambiental do país. Isso, porque foi enviada para a cúpula do Clima uma carta denunciando o presidente Jair Bolsonaro por estratégias de enfraquecimento de medidas de proteção ambiental e indígenas.

A carta aberta direcionada às autoridades da cúpula do Clima foi enviada pela comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, afirmando que mesmo após o presidente Bolsonaro ter mudado de discurso recentemente sobre o meio ambiente, não houve mudança na política ambiental brasileira, e ações que enfraquecem as leis ambientais e ameaçam as populações indígenas seguem em curso.

O documento assinado por ex-ministros dos governos de Fernando Henrique Cardoso e de Luiz Inácio Lula da Silva, por sociólogos, cientistas políticos, economistas e professores universitários, além do líder indígena Ailton Krenak, cita retrocessos no governo Bolsonaro:

  • Paralisação do Fundo Amazônia;
  • Afrouxamento das leis ambientais, e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização
  • Ameaças de retirada do Brasil do Acordo de Paris
  • Incentivo às invasões de terras indígenas e de unidades de conservação ambiental, mineração ilegal e venda ilegal de madeira
  • Negação das mudanças climáticas
  • “Demonização” de ambientalistas e ativistas de direitos humanos
  • “Desdenho” das tradições culturais dos povos indígenas

O documento afirma que o governo atual representa uma ruptura dos esforços do Brasil na área ambiental promovidos desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), realizada no Rio de Janeiro em 1992.

Trecho da carta relata:

“Os avanços vêm sendo revertidos sob o governo do Sr. Jair Bolsonaro, que, por palavras e atos, estimula os agentes da devastação”

“Em lugar de expandir e robustecer as capacidades estatais, o governo, diante das críticas reiteradas, faz promessas vãs e toma medidas ineficazes. Apresentou o Plano Nacional para o Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa, documento sem metas claras, prazos ou ações definidas, que nunca saiu do papel. Criou o programa Verde Brasil, mobilizando militares sem experiência no combate a crimes ambientais, arriscando suas vidas e desperdiçando recursos públicos já escassos”, continua.

‘Passar a boiada’ e enfraquecimento das leis ambientais

A carta denuncia, também, o enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental, como Ibama, e flexibilização das normas de proteção da floresta. Foi lembrado também, a reunião ministerial de abril do ano passado, em que foi proposto pelo ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, que aproveitassem as atenções voltadas para à pandemia do covid-19 para flexibilizar medidas de proteção ambiental.

“Em sua linguagem peculiar, sugeriu que o governo fosse ‘passando a boiada’, ou seja, mudando as normas infralegais que não demandam aprovação do Congresso Nacional”, afirma o documento.

Em abril do ano passado, por exemplo, houve uma tentativa do ministério do Meio Ambiente de anistiar proprietários rurais que desmataram e ocuparam áreas florestais até julho de 2008, entretanto o governo voltou atrás depois que o Ministério Público recorreu à justiça.

Mineração em terras indígenas

Outro trecho da carta relata:

“As propostas afrouxam regras de licenciamento ambiental, concessão de florestas, regularização fundiária, mineração em terras indígenas e impactam até o Estatuto do Índio”

E refere-se ao projeto de lei 191/2020, assinado por Bolsonaro em fevereiro de 2020, que regulamenta a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas, entre outros projetos de lei do governo atual.

Um levantamento feito pelo portal Globo, em novembro, mostrou que mesmo sem o PL 191/2020, o desmatamento causado pela atividade mineradora já registrou recordes e avançou sobre áreas de conservação e terras indígenas em 2019 e 2020.

Corte no orçamento

Além disso, a carta ressalta que em 2021, o Ministério do Meio Ambiente terá o menor orçamento em duas décadas, e que o Fundo Amazônia está parado desde 2019, referindo-se ao Projeto de Lei Orçamentárias Anula (PLOA) deste ano, em que o governo destinou R$ 1,72 bilhão ao Ministério do Meio Ambiente. Na prática, o valor é o menor desde 2000 e resultará, em comparação com as verbas de 2020:

  • Em redução de 27,4% do orçamento destinado para fiscalização ambiental e combate de incêndios florestais
  • Em redução de 32,8% da verba destinada à criação, gestão e implementação de Unidades de Conservação

Paralisação do Fundo Amazônia

Referindo-se ao valor de cerca de 2,9 bilhões do Fundo Amazônia parados e sem atividade desde 2019, que foi captado com doações para projetos de preservação e fiscalização do Bioma. Como Justificativa da paralisação, o Ministro do meio ambiente afirmou haver indícios de irregularidades nos contratos firmados com ONGs, mas não apresentou nenhuma prova que confirmasse a afirmação.

Desmonte dos órgãos ambientais

Por fim, a carta cita as trocas de funcionários e demissões de órgãos ligados ao monitoramento e controle dos desmatamentos nos biomas nacionais.

“(…) Revisou regulamentos, flexibilizou normas, revogou dispositivos legais, alterou a composição de órgãos públicos encarregados de monitoramento e aplicação de multas, substituiu chefias competentes por pessoas sem qualificação apropriada – quando não, por sócios da devastação–, perseguiu funcionários, reduziu o orçamento destinado ao meio ambiente”, diz a carta.

Em 2019, Ricardo Magnus Osório Galvão foi exonerado do cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) após o órgão divulgar que os alertas do desmatamento registraram alta de 88% em junho e de 212% em julho daquele ano.

Quanto ao desmonte do Ibama, em agosto de 2020, mais de 400 servidores divulgaram uma carta aberta ao presidente do órgão, alertando que a queda de 24% no número de fiscais do Ibama, entre 2018 e 2019, apontavam “para o colapso da gestão ambiental federal e estimulam o cometimento de crimes ambientais dentro e fora da Amazônia”.

Da redação do Acontece na Bahia