2020 tem Primeiro São João com cidades vazias e fogueiras apagadas

Morador de Caruaru (PE), interior nordestino onde é comum as festas juninas, o artesão Sebastião Luiz da Silva, de 78 anos, diz não reconhecer mais o município. Pela primeira vez, neste mês de inverno e de época do milho, não será comemorado o tradicional São João. “Este não é o meu planeta”, resume o artesão sobre a ausência dessa festividade popular. Cidades como Mossoró (RN), Campina Grande (PB), Cruz das Almas e Senhor do Bonfim (BA), tiveram que abandonar suas comemorações em razão da pandemia do novo coronavírus.

Assim como outros milhares de nordestinos, Sebastião sente a falta dessa época de intensos festejos, recheada de comidas típicas – bolo de milho verde, canjica, pipoca, pamonha, milho cozido, amendoim – dos arrasta-pés até o dia amanhecer, das tradicionais quadrilhas com o casamento caipira, das bandeirolas nas ruas, das fogueiras nas roças e, principalmente, da ansiedade da chegada da festa junina. “Quando chega maio, tudo já vai se transformando por aqui. É uma fartura, muita gente na rua. A chuva começa e o milho vem. Esperar chegar o dia do São João é muito bom”, recorda.

Perto da casa de Sebastião, o rosto da estátua do mestre Vitalino (1909-1963), o mais famoso artesão de bonecos de barro de Caruaru, está protegido com uma máscara de pano. Só em Caruaru, conhecida como a capital do forró, eram aguardadas 3 milhões de pessoas para os festejos juninos. Neste ano, não há qualquer decoração alusiva ao São João. Ruas estão vazias e comércios estão fechados. O retrato de uma pandemia causada por um vírus. “Eu já chorei muito. Choro quando lembro que não teremos essa festa. A gente respira o São João”, relata Lucineia Ferreira, responsável pela Molecadrilha, a mais antiga quadrilha de São João de Caruaru .

Caruaru deixou de movimentar R$ 200 milhões na economia. A prefeita do município nordestino, Raquel Lyra (PSDB), decidiu usar as lives de artistas para fazer o chamado São João Solidário. A intenção é arrecadar alimentos para doar para aqueles que ficaram sem trabalhar na festa. “Vivemos um sentimento de profunda tristeza. A gente se pega ouvindo uma música e chorando. Não é simples”, desabafa.

Já na Bahia, os festejos juninos foram cancelados em todos os municípios, segundo o decreto do governador Rui Costa (PT), para evitar a propagação do novo coronavírus. Na capital baiana, Salvador, e mais de 400 cidades por todo o estado, têm como tradição a festa religiosa em homenagem ao santo primo de Jesus Cristo, São João Batista. Tem fogueira para Santo Antônio e São Pedro também. As maiores festas ocorrem nos municípios de Amargosa, Senhor do Bonfim e Cruz das Almas.

Nesse último, Cruz das Almas, a prefeitura decidiu por cancelar o São João. Não haverá as atrações musicais, que atraem centenas de pessoas, nem as tradicionais quadrilhas e bumba-meu-boi. “Estamos todos muito tristes, mas tristeza maior é esta pandemia. Entendemos que não havia clima para celebrar nada quando estão morrendo 1.200 pessoas por dia no país”, lamenta o prefeito Orlando Peixoto (PT).

O cancelamento do São João representou um prejuízo no setor do turismo. Ainda mais porque é uma das épocas mais lucrativas. Com a pandemia, prefeituras de cidades baianas intensificam a fiscalização nas ruas e orientam a população a não soltar fogos de artifício e evitar acender fogueiras.